E
então eu pulei, naquele abismo sem fundo... Onde eu acreditaria que seria meu
fim. Oh, meu tão esperado fim, ele que fantasiei por tanto tempo: mas não era
assim minhas fantasias. Era sempre muito dramático, grande, um evento tão
exageradamente grande que pessoas parariam suas vidas, SUAS MÍSERAS VIDAS por
causa de minha morte.
Irônico eu querer uma morte assim, não
é? Logo eu, que evito drama e evito ser o centro de algo, que evito
olhares e palavras e sentimentos e tudo o que essa escória humana quer, tudo o
que eu quero e tudo o que eu não sou. Tudo o que eu nunca fui e nunca serei.
Eu via as pessoas ali, no meio de algo,
dançando, dançando muito, se libertando, sendo feliz... Sem pensamentos ruins,
sem medos, sem angústias, só dançando no centro de uma pista de dança, no
centro de uma festa, apenas sendo a essência, a beleza. E enquanto eles
dançavam, eu estava ali, no canto, bem ali onde ninguém normalmente olha, onde
ninguém normalmente está, eu estava ali só olhando e observando e querendo
estar ali no meio, dançando... Ah, se eu tivesse forças para me levantar e
tirar todo esse peso de cima de mim, e me libertar nem que seja por apenas uma
música. Apenas uma música. Poderia ser o momento mais feliz de minha vida
durante aqueles poucos minutos.
Escolhi esse para ser o melhor momento
da minha vida. Minha morte. Essa sou eu dançando no meio da pista de dança,
essa sou eu apenas sendo. Mas como eu disse não está sendo como eu imaginei
como eu passei horas imaginando.
Eu poderia subir no prédio mais alto da
avenida mais movimentada e simplesmente cair em cima do trânsito, que quase
nunca para... Eu poderia levar para a escola a maior quantidade de remédios que
eu poderia achar em minha casa, tomar tudo no banheiro e voltar para a aula,
que quase nunca para... Eu poderia me enforcar em alguma árvore do centro da
cidade, onde há comércios, que quase nunca para... Tudo isso seria uma morte
digna, seria mais do que uma morte: seria um acontecimento! Pessoas se
comoveriam, pessoas chorariam, pessoas que nem me conhecem, que nunca ouviram
falar de meu nome, choraria por mim em meu túmulo. Falariam meu nome como se
ele importasse e por, aproximadamente, duas semanas seria sobre mim,
reportagens e reportagens e reportagens. Quem era ela? O que houve? Qual era
sua história? Quem era amigo dela? Seriam as duas semanas de puro e somente eu.
Mas sabe de uma coisa? Eu desisti. De
tudo, e quando falo tudo quero dizer tudo, até de minhas próprias vontades.
Desistir de fazer a lição de casa, desisti de limpar meu quarto, desisti de
ouvir música, de ler, de dar risada, de falar sim e de
quase nunca falar não, desisti de dormir, de sonhar, desisti de ir à praia, de
conversar, desisti de ter um emprego, de ter filhos, uma família, desisti do
natal, do ano novo e de meu aniversário. Desisti de fazer o que eu queria
fazer, até mesmo de causar o impacto que eu queria causar, simplesmente e
absolutamente tudo. Principalmente, desisti de ser eu e resolvi não ser, de
evaporar, sumir, virar pó em baixo da terra.
E tenho certeza de que foi a melhor
decisão de minha vida. Então resolvi apenas ir ali, naquele morro perto de
casa, naquele morro alto, alto, alto alto... E então eu pulei...